A AVIBRAS e a importância estratégica da indústria de Defesa

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Viatura lançadora do sistema Astros, da AVIBRAS (Albert Caballé Marimón/Velho General).

Viatura lançadora do sistema Astros, da AVIBRAS (Albert Caballé Marimón/VG).

As grandes potências compreendem a importância de uma Base Industrial de Defesa bem desenvolvida. Infelizmente, não vem sendo o caso do Brasil.


Países investem no desenvolvimento de sua Base Industrial de Defesa (BID) principalmente por razões estratégicas e políticas. Em outras palavras, para atender às suas necessidades percebidas de defesa, para evitar a dependência de suprimentos e equipamentos militares de outras nações e para ganhar ou alavancar sua influência política e fortalecer sua posição no cenário internacional.

Outras razões são os incentivos econômicos e tecnológicos que podem ser obtidos a partir de uma BID fortalecida. A indústria de defesa pode ser um estímulo para o crescimento econômico, desenvolvimento industrial, geração de empregos de alta qualificação e fonte de inovação tecnológica para outros setores da economia. Portanto, uma indústria de defesa bem desenvolvida não tem importância “apenas” estratégica, mas também econômica e social.

As grandes potências – especialmente países como Estados Unidos, Rússia, China, França, para citar alguns exemplos – sabem disso muito bem. Não por acaso os EUA possuem a maior base industrial de defesa do planeta. Embora os exemplos mais “fulgurantes” sejam as grandes companhias – Boeing, Lockheed Martin, Raytheon e outras do mesmo calibre, há uma miríade de pequenas empresas que atuam no segmento de defesa americano, seja como meras fornecedoras de peças para as empresas maiores, seja atuando na área de P&D.

Washington compreende a importância de manter essas empresas, tanto pela sua participação na economia, como pela inovação tecnológica e pela mão de obra que empregam – e possui políticas para mantê-las vivas. Por exemplo, o Departamento de Defesa americano lançou recentemente, em janeiro de 2023, sua nova Política para Pequenas Empresas (Small Business Strategy), para reduzir barreiras para pequenas empresas atuem na área de defesa, aumentar as concorrências reservadas para pequenas empresas e alavancar programas para aumento da base industrial de defesa dos EUA.

Os três objetivos declarados dessa nova política são: 1) Implementar uma abordagem de gestão unificada para programas e atividades para pequenas empresas; 2) Garantir que as atividades de pequenas empresas estejam alinhadas com as prioridades de segurança nacional; e 3) Fortalecer o engajamento e apoio do Departamento de Defesa às pequenas empresas.

Nos EUA, houve programas de incentivo para manter pequenas companhias de defesa operando mesmo durante a pandemia do covid-19, quando devido a lockdowns e à retração econômica, muitas enfrentaram dificuldades. Um exemplo está aqui, nesta matéria de 2021 da Defense One.

No Brasil

Se, como no exemplo dos EUA, as potências entendem a importância das empresas que formam a BID do país, no Brasil caminhamos em sentido contrário. Recentemente a EMBRAER quase foi vendida para a gigante Boeing – o negócio só não se concretizou, praticamente por um golpe de sorte, porque a Boeing atravessou um período de dificuldades financeiras que acabaram por inviabilizar sua conclusão. E agora, conforme vem sendo anunciado, a venda da AVIBRAS pode ocorrer a qualquer momento.

Assim como a EMBRAER, a AVIBRAS é uma empresas criadora de alta tecnologia, sensível para os interesses nacionais. A empresa atua no desenvolvimento e produção de produtos e sistemas nas áreas aeronáutica, espacial, eletrônica, e de defesa. Aliás, é das poucas empresas brasileiras capazes de desenvolver esse tipo de tecnologia, estratégica para a soberania nacional. Uma Nota Técnica do ILAESE (Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos) ilustra bem essa preocupação, abordando inclusive outros interesses não listados neste artigo.

As notícias mostram que a AVIBRAS está sendo negociada pelo Edge Group, empresa dos Emirados Árabes, e que a alemã Rheinmetall, do setor de armamentos, também está na disputa. Ambas, Edge Group e Rheinmetall, são gigantes em seus setores, com diversas subsidiárias, faturamento na casa dos bilhões de dólares e milhares de funcionários. A AVIBRAS é uma empresa que vem passando por dificuldades, demitindo centenas de funcionários nos últimos meses, e em processo de recuperação judicial. Portanto, o principal interesse do Edge Group e da Rheinmetall, é, claro, a tecnologia desenvolvida pela AVIBRAS, em especial o sistema de lançamento múltiplo de foguetes Astros e o Míssil Tático de Cruzeiro.

Se a venda for concretizada, seja para os árabes ou para os alemães, o conhecimento tecnológico obviamente será transferido para a empresa compradora, que, sem dúvida, passará a desenvolver projetos usando este conhecimento em seu próprio país. Mesmo que algo seja mantido em território brasileiro, possivelmente será na área de produção e/ou montagem, certamente não na pesquisa e desenvolvimento. O know-how desenvolvido por brasileiros, em uma empresa até então brasileira, estaria irremediavelmente perdido.

De acordo com uma matéria publicada no site de notícias Relatório Reservado, a AVIBRAS fez questão de dizer que “o governo brasileiro acompanha de perto os acontecimentos”. Talvez, mas, como diz a Nota Técnica do ILAESE, “essas notícias são reveladoras sobre a estratégia dos empresários estrangeiros e a ausência de qualquer estratégia por parte do governo brasileiro”.

O caso da EMBRAER mostrou que, mesmo sendo detentor da Golden Share, que lhe dava a decisão final sobre esses assuntos, o governo brasileiro estava disposto a abrir mão da empresa. Não posso afirmar que agora a melhor opção seria estatizar a AVIBRAS. Talvez seja, talvez não. O certo é que o Brasil não pode continuar a perder indústrias, especialmente em setores tão sensíveis. O país precisa de uma estratégia de Defesa, de uma política industrial séria, de um Norte, de um posicionamento. O Brasil precisa de uma estratégia de país.

Empresas estratégicas, estatais ou privadas, não podem ser abandonadas ao sabor dos “mercados” – atiradas aos lobos.

Já perdemos a ENGESA, a Bernardini e outras do setor de defesa, seja lá por quais razões. Assim como não podia perder essas, o Brasil não pode se dar ao luxo de perder a AVIBRAS.

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2 comentários

  1. Infelizmente os quadros técnicos ficcionados e adoradores da “faria lima” não estão preocupados com a soberania brasileira ou a indústria em si.
    O sonho e objetibo de vida deles é a oportunidade de quem sabe trabalharem em Frankfurt, quem sabe terem um chefe alemão… Eles anseiam por isso, infelizmente fomos doutrinados a adorar o americano ou o europeu, colocamos a “nossa casa” em total demérito, simplesmente por não ser “como eles”.
    O Brasil precisa de nacionalismo, mas o povo brasileiro não está disposto a isso, não quer ter esse trabalho de lutar por isso, prefere ser ovelha e entregar a sorte ao “pastor”, de preferencia que ele seja americano.
    Infelizmente.

  2. A consolidação de um BID está prevista na Estratégia Nacional de Defesa e na PND. Porém, dificilmente temos tido os recursos adequadamente direcionados para projetos estratégicos, como o PROSUB da MB. Isso acaba em um custo muitas vezes não calculado, mas conhecido: perda de capital humano. Pelo menos na área aeroespacial temos tido avanços significativos, como capacidades em microssatélites e com a Embraer Defesa. Falta a população ter maior conhecimento da importância desses projetos para um desenvolvimento a longo prazo da BID e da Nação. Aos entendedores dessa importância, podemos cobrar nossos congressistas para que deem mais atenção ao tema.

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